“A falta de atividade destrói a boa condição de todo o ser humano enquanto o movimento e o exercício físico metódico salvam e preservam-na” – Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.
O termo sedentarismo, proveniente do latim sedere “estar sentado”, designa um estilo de vida caracterizado por uma grande inatividade física. O organismo humano está preparado para desenvolver uma intensa atividade física para poder sobreviver. Os avanços tecnológicos dos últimos séculos permitiram que o Homem satisfizesse estas necessidades com uma atividade física cada vez menor. Por isso, atualmente, grande parte da população, sobretudo nos países economicamente mais favorecidos e industrializados, leva uma vida predominantemente sedentária.
Segundo a Fundação Portuguesa de Cardiologia, a inatividade física é um dos maiores fatores de risco no desenvolvimento de doenças cardíacas. Portugal é dos países com menores índices de atividade física da União Europeia, com uma população muito exposta aos riscos cardiovasculares. A prática de atividade física diminui o risco cardiovascular (probabilidade que depende da associação dos fatores de risco ponderados à sua importância enquanto causadores ou facilitadores do aparecimento ou desenvolvimento de doença), além de manter a saúde e o bem-estar geral – físico e psíquico. Para prevenir essas doenças é essencial a prática de atividade física diária e regular de 30 minutos, que pode ser distribuída em 3 períodos de 10 minutos ao longo do dia.
Para a OMS, o sedentarismo é um fator de risco para várias causas de morte, comorbilidade e discapacidade. A OMS divide os níveis de sedentarismo em: Nível 1 (inatividade) – “realizar pouca ou nenhuma atividade física no trabalho, em casa, como forma de transporte ou no tempo livre”; Nível 2 (atividade insuficiente) – “realização de alguma atividade física mas menos de 150 minutos de atividade física de intensidade moderada ou de 60 minutos de atividade física de intensidade elevada por semana, resultante da acumulação de trabalho, transporte, no domicílio ou no tempo livre”. Em contrapartida, o efeito protetor resultante de se ser mais ativo, logo menos sedentário, foi identificado em estudos sobre atividade ocupacional há mais de 50 anos. A OMS estima que a inatividade se alargue a 17,1% da população mundial, alcançando quase 25% na Europa. A estimativa global para a atividade física insuficiente é de 40,6%. Além disso, a inatividade física global representa a principal causa para 21,5% da cardiopatia isquémica, 11% dos ataques isquémicos transitórios (AIT), 16% dos cancros do colón, 14% dos casos de diabetes mellitus e 10 % dos casos de cancro da mama. Por fim, os estilos de vida associados a inatividade física são responsáveis por 3,3% dos óbitos e 19 milhões de anos de vida em discapacidade a nível mundial (Bull, F. et al., 2004).
Inatividade física em Portugal – Prevenção do sedentarismo
“Aqueles que não encontrarem tempo para o exercício terão de encontrar tempo para a doença” – Robert de Ferrers, Primeiro Earl de Derby (1068 – 1139)
Segundo dados do Eurobarómetro de 2014, 72% dos adultos portugueses “nunca” ou “raramente” faziam exercício ou desporto e só 23% cumpriam as recomendações da OMS. No Inquérito Nacional da Saúde de 2014, apenas 20% dos inquiridos com mais de 15 anos praticavam exercício físico 3 vezes por semana. Noutro estudo, a atividade física dos portugueses foi avaliada com um acelerómetro usado na cintura e só 21% dos adultos atingiam o valor recomendado pela OMS. O mesmo programa estima que, em Portugal, a inatividade física seja responsável por: 8% dos casos de doença das coronárias; 11% da diabetes do tipo II; 14% de cancro da mama; 15% de cancro colorretal.
A percentagem da mortalidade atribuída à inatividade física no país está estimada em 14%. Se a atividade física se generalizasse a toda a população, 1 em cada 7 mortes poderia ser evitada anualmente. Ainda que eliminar a inatividade física seja um cenário improvável, caso o Estado português cumpra a meta para 2025 (redução de 10% na prevalência), poderão evitar-se cerca de 1500 mortes anualmente.
Segundo o mesmo programa, um artigo da revista Lancet de 2016 indicava um custo total da inatividade física em Portugal entre 210 e 460 milhões de euros, incluindo custos diretos e perdas de produtividade com mortalidade prematura (com dados de 2013). Mas apenas se consideraram custos diretos relativos a 5 das 22 doenças e condições que a atividade física previne e muitos custos indiretos não foram estimados (ex. Absentismo). Mais importante, foi considerada uma prevalência de inatividade física de 35%, um valor muito reduzido face à realidade. De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS), a OMS estima que um país de 10 milhões de habitantes onde metade da população é fisicamente inativa, o custo anual dessa inatividade seja de aproximadamente 900 milhões de euros. “A aplicar-se a Portugal seria um valor considerável, equivalente a 9% do orçamento do Ministério da Saúde para 2017”. Globalmente, a inatividade física custa 54 mil milhões de dólares em assistência médica direta, com 57% a cargo do setor público.
O programa conclui que “a estimativa de 900 milhões de euros para o custo da inatividade em Portugal não deverá estar longe da realidade. Face ao progressivo aumento dos custos de saúde nos próximos anos, justifica-se mais do que nunca o investimento na prevenção do sedentarismo, com o esperado impacto no bem-estar individual, na prevalência das doenças não transmissíveis, na mortalidade e economia”.
Consequências fisiológicas do sedentarismo
“Quão vão é sentarmo-nos para escrever se não nos levantámos para viver!” Henry David Thoreau (1817 – 1862)
As repercussões físicas do sedentarismo manifestam-se nos tecidos responsáveis pelos movimentos, ou seja, músculos, ossos e articulações. Nas crianças e adolescentes, a falta de atividade física regular pode provocar um atraso no desenvolvimento ou um desenvolvimento desarmonioso do aparelho locomotor. Nos adultos propicia uma diversidade de problemas, como artrose, diminuição da densidade óssea e perda de elasticidade, força e resistência musculares.
Uma característica consistente da inatividade é a atrofia muscular e a diminuição da capacidade e taxa de produção de força. Existem diferenças relativas ao rácio e mecanismos de diminuição da secção transversal do músculo e na suscetibilidade de cada tipo de fibra atrofiar. A perda de massa muscular observada em ratos e humanos resultará em parte da diminuição da síntese proteica causada pela inatividade associada a uma crescente degradação. Além das alterações quantitativas na massa muscular, a inatividade também induz mudanças qualitativas na estrutura da musculatura esquelética. A estrutura das proteínas contráteis sofre alterações (rácio das pontes cruzadas de ligação forte da miosina). Talvez a inatividade induza maiores quebras estruturais nas proteínas contráteis do que noutras proteínas celulares e que ocorra maior perda no filamento fino de actina do que no de miosina. Apesar de as proteínas mitocondriais se perderem em resposta à inatividade, o declínio é menor do observado nas proteínas contráteis. Como resultado, o conteúdo proteico mitocondrial (mg proteína/g fibra) mantém-se inalterado ou diminui depois de períodos de inatividade. Observa-se ainda um aumento na fatigabilidade (Thompson, 2002).
Sabe-se que o sedentarismo aumenta o risco de diabetes tipo 2 (Tuomilehto et al. 2001), doenças cardiovasculares (Nocon et al. 2008), cancro do cólon (Wolin et al. 2009) e cancro da mama pós-menopausa (Monninkhof et al. 2007). Além disto, a inatividade física pode também desempenhar um papel na demência (Rovio et al. 2005) e depressão (Paffenbarger et al. 1994). Os diagnósticos da última não visam representar uma lista exclusiva de doenças ou desordens associadas à inatividade física. No entanto, são doenças crónicas associadas a um risco aumentado de morbilidade prematura. Os portadores de Diabetes Tipo 2 têm um risco claramente aumentado de ocorrência de episódios cardiovasculares (Diamant & Tushuizen, 2006) e a doença também está associada a uma função cognitiva diminuída, ao Alzheimer, demência e à prevalência de depressão severa e outras doenças de foro afetivo (revisto em Komulainen et al. 2008). Outros estudos também a associam a um risco elevado de cancro do cólon e da mama, pancreático, hepático e endometrial (Richardson & Pollack, 2005). Verifica-se uma sobreposição destes diagnósticos com a inatividade física; e, aparentemente, a Diabetes Tipo 2 desempenha um papel central. É interessante verificar que diferentes doenças associadas à inatividade física partilham mecanismos patogénicos importantes. Independentemente do IMC, a inatividade física é um fator de risco para a mortalidade multicausal (Pedersen, 2007). Além disso, a inflamação sistémica crónica está associada à inatividade física independente da obesidade (Fischer et al. 2007).
Os modelos de lipodistrofia sugerem que a gordura subcutânea se inflama e os adipócitos sofrem apoptose/necrose comprometendo a capacidade de armazenamento de gordura que fica depositada na forma de gordura ectópica. Dados os efeitos anti-inflamatórios do exercício regular (Petersen & Pedersen, 2005), a inatividade física pode resultar na inflamação do tecido adiposo subcutâneo e diminuição da capacidade de armazenamento de gordura em indivíduos que não preenchem os critérios englobados na lipodistrofia. A inflamação crónica promove o desenvolvimento da resistência à insulina, aterosclerose, neurodegeneração e crescimento de tumores (Handschin & Spiegelman, 2008), resultando em doenças direta ou indiretamente relacionadas com a inatividade física. Um ambiente inflamatório crónico propiciará resistência à insulina com hiperinsulinémia., sugerindo que níveis elevados de insulina e IGF-1 livres promovem a proliferação de células colónicas, levando à sobrevivência de células alteradas, resultando em cancro colorrectal (Berster JM & Goke, 2008).
O exercício regular parece induzir efeitos anti-inflamatórios, sugerindo a supressão da inflamação sistémica de baixo nível. Segundo vários estudos, os marcadores de inflamação reduzem com alterações comportamentais como a redução do consumo calórico e o aumento dos níveis de atividade física (revisto em Petersen & Pedersen, 2005). No entanto, os mediadores deste efeito não estão claramente resolvidos. Um número de mecanismos foi identificado. O exercício aumenta a libertação de adrenalina, cortisol, hormona de crescimento, prolatina e outros fatores de efeito imunomodulador (Nieman, 2003; Handschin & Spiegelman, 2008). O estudo de Ferrando e colegas (1999) demonstrou que a inatividade exacerba o efeito proteolítico da hipercortisolémia no músculo esquelético. A ausência de atividade muscular torna o músculo sensível aos efeitos catabólicos do cortisol. Esta predisposição para a decomposição de proteínas foi tal que o músculo dos voluntários saudáveis deste estudo se tornou metabolicamente análogo a pacientes gravemente lesionados ou sob grande stress.
Conclusão
“O médico do futuro não lhe dará medicamentos mas, ao invés, instigará nos seus pacientes o interesse pelo cuidado do corpo humano, da dieta e das causas e prevenção da doença” Thomas Edison (1847 – 1931)
O sedentarismo, entendido como um nível muito reduzido de atividade física, é um problema associado ao progresso tecnológico e à mudança do tipo de trabalho da generalidade da população mundial, sobretudo nos países mais desenvolvidos. As consequências para a saúde são várias e abrangem um espectro muito alargado, desde mais locais (articulares e musculares), a mais gerais (nervosas, cardiovasculares e endócrinas). A longo prazo observamos a instalação de doenças crónicas como a diabetes ou cancro. Em Portugal investe-se tendencialmente no tratamento e cura mas a eficácia de uma mudança de paradigma para a prevenção, com programas de exercício físico adaptados, é inegável. A aproximação do setor dos profissionais de exercício físico ao setor médico é um avanço claro. No entanto, a participação e conscientização governamental ainda está longe de um ponto aceitável.
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