artigos

A Importância do Treino de Força no Tratamento do Cancro

03/05/2021
O cancro tem sido, no séc. 21, um tema bastante abordado e conhecido entre a sociedade pelas diversas áreas do mundo. Através da evidência científica que temos atualmente é notório que o treino de força é altamente benéfico para este tipo de população, principalmente numa fase de tratamento.

O cancro tem sido, no séc. 21, um tema bastante abordado e conhecido entre a sociedade pelas diversas áreas do mundo. É bem provável que a maioria de nós conheça algum familiar, amigo, colega ou mero conhecido que tem ou tenha tido uma doença oncológica. Um em cada cinco homens e uma em cada seis mulheres desenvolve cancro nalguma fase da sua vida, segundo dados da Agência Internacional para a Investigação do Cancro. A realidade em Portugal também não é nada agradável.

Mas afinal, de que se trata esta doença assustadora que afeta milhões de pessoas em todo o mundo?
O cancro é uma doença em que as células do nosso organismo, por terem sofrido mutações no seu ADN, dividem-se sem controlo, seja por fatores internos ou por exposição ambiental (e.g tabaco) e adquirem propriedades durante esse processo de divisão descontrolada, de invadir outros tecidos e de não morrer. Estas células são designadas de células cancerígenas e de uma forma simplista, são células defeituosas, que se propagam rapidamente pelo organismo. Existem mais de 200 tipos de cancro de acordo com a sua localização e histologia. É por isto que muitos especialistas afirmam que o cancro não se trata apenas de uma doença, mas sim um conjunto de inúmeras doenças. (1,2)

As principais formas de tratamento passam por: cirurgia, quimioterapia, radioterapia, tratamentos hormonais. (3)

E apesar da evidência científica mostrar a sua eficácia, e destes serem determinantes, diria até indispensáveis de momento, para diminuir o risco de morte e aumentar a taxa de sobrevivência, acarretam diversos efeitos colaterais, tanto a nível físico como psicológico, nomeadamente: (4-7)

  • Fadiga;
  • Ansiedade;
  • Depressão;
  • Insuficiência cardíaca;
  • Infeções;
  • Diminuição dos níveis de força;
  • Perda de massa muscular

Deste modo, urge essencialmente uma terapia que atenue os efeitos colaterais mencionados, e o exercício físico, em particular, o treino de força, poderá ser uma opção viável. O treino de força poderá ser benéfico essencialmente em 3 fatores:

Combate à Doença

Através da contração muscular são libertadas diversas substâncias (miocinas) de extrema importância para todo o organismo, em especial a interleucina 6, que numa ação conjunta com algumas hormonas, nomeadamente a hormona adrenalina, irão ativar e mobilizar as células “natural killers” (células NK), no qual há evidência que suporta que as células NK mobilizadas infiltram-se nos tumores e destroem as células cancerígenas. Ou seja, através do treino de Força, da estimulação dos tecidos musculares, são ativadas células que podem diminuir o tumor existente. (8,9)

Atenuação dos efeitos negativos da doença/tratamentos

O treino de força pode contribuir para o aumento dos níveis de força, da capacidade cardiovascular e funcional, massa muscular, redução de inflamação e diminuição dos níveis de fadiga, ansiedade e outros sintomas de depressão, levando à melhoria da qualidade de vida em diversos tipos de cancro, durante vários tipos de tratamento. (10-17)
De salientar que tanto a força como a massa muscular são preditores de taxa de mortalidade, ou seja, maiores níveis de força e massa muscular estão associadas a um menor risco de mortalidade. Daí, a importância do treino de força, para que se preserve ao máximo a força e a massa muscular. (18-21)

Aumento da eficácia dos tratamentos

Apesar da evidência científica não ser tão robusta neste ponto, há alguma evidência apontar que ao manter/aumentar a condição física, atenuando os diversos efeitos negativos, permite ao paciente tolerar melhor o tratamento. A composição corporal, nomeadamente a quantidade de massa muscular, também tem sido apontada uma variável a ter em conta na tolerância aos tratamentos, podendo até ser considerada um preditor de toxicidade dos tratamentos. Deste modo, visto que há um número considerável de doentes que acabam por não terminar o tratamento pela sua baixa tolerância aos mesmos, a probabilidade de os pacientes tolerarem doses mais altas e até ao final da fase de tratamento aumenta, aumentando assim a sua eficácia. (22-26)
Através da evidência científica que temos atualmente é notório que o treino de força é altamente benéfico para este tipo de população, principalmente numa fase de tratamento. O treino de força deveria fazer parte do tratamento de cancro. Atenção, não pretendo com isto dar a entender que o treino de força é uma terapia alternativa. O objetivo não será substituir os tratamentos já habitualmente realizados, pois estes são essenciais, mas sim coadjuvar.
Mas que tipo de exercício? Quantas vezes? A que intensidade? Como tudo, não existe uma receita na prescrição de exercício, e apesar de existir linhas orientadoras de algumas entidades, não podemos negligenciar um princípio primordial como da individualidade biológica. Cada corpo é um corpo, cada cancro é um cancro e cada tratamento é um tratamento. Deste modo, a recomendação da entidade Exercise & Sports Science Australia (ESSA) é que a prescrição de exercício deverá ser individualizada, baseada no paciente e nas considerações específicas do cancro, evitando a todo o custo uma abordagem de “one size fits all”.
No entanto, é necessário reconhecer que o exercício é apenas um dos elemento-chave deste processo, outras variáveis são também requeridas para que o processo seja o mais eficaz possível, sendo então determinante uma abordagem interdisciplinar, com diversos profissionais de saúde, em que as funções de cada um são determinadas e respeitadas, e onde há comunicação constante entre todos.
Em suma, o treino de força não é a cura, mas com a evidência científica que temos atualmente, não podemos continuar a negligenciar a sua importância no tratamento de cancro. O treino de força poderá ser uma terapia coadjuvante essencial neste processo para combater a doença e melhorar a qualidade de vida, dando não só anos de vida, como vida aos anos a estes doentes oncológicos, que passam por uma fase dolorosa e de extrema dificuldade, como aqueles que os rodeiam. Para isso, num trabalho de equipa com diversos profissionais de saúde, há que avaliar constantemente, construir o exercício de acordo com as individualidades da pessoa e ajustar sempre que necessário todas as variáveis, de forma a respeitar o corpo e os limites adjacentes.

Referências bibliográficas
  1. The Cell: A Molecular Approach. 2nd edition.
  2. Hornsveld, M., & Dansen, T. B. (2016). The hallmarks of cancer from a redox perspective. Antioxidants & redox signaling, 25(6), 300-325.
  3. https://www.cancer.gov/about-cancer/treatment/types
  4. Collins, K. K., Liu, Y., Schootman, M., Aft, R., Yan, Y., Dean, G., … & Jeffe, D. B. (2011). Effects of breast cancer surgery and surgical side effects on body image over time. Breast cancer research and treatment, 126(1), 167-176.
  5. Kayl, A. E., & Meyers, C. A. (2006). Side-effects of chemotherapy and quality of life in ovarian and breast cancer patients. Current Opinion in Obstetrics and Gynecology, 18(1), 24-28.
  6. Löbrich, M., & Kiefer, J. (2006). Assessing the likelihood of severe side effects in radiother Schierbeck, L. L., Rejnmark, L., Tofteng, C. L., Stilgren, L., Eiken, P., Mosekilde, L., … & Jensen, J. E. B. (2012). Effect of hormone replacement therapy on cardiovascular events in recently postmenopausal women: randomised trial. Bmj, 345.apy. International journal of cancer, 118(11), 2652-2656.
  7. Pedersen, L., Idorn, M., Olofsson, G. H., Lauenborg, B., Nookaew, I., Hansen, R. H., … & Nielsen, J. (2016). Voluntary running suppresses tumor growth through epinephrine-and IL-6-dependent NK cell mobilization and redistribution. Cell metabolism, 23(3), 554-562.
  8. Idorn, M., & Hojman, P. (2016). Exercise-dependent regulation of NK cells in cancer protection. Trends in molecular medicine, 22(7), 565-577.
  9. De Backer, I. C., Schep, G., Backx, F. J., Vreugdenhil, G., & Kuipers, H. (2009). Resistance training in cancer survivors: a systematic review. International journal of sports medicine, 30(10), 703-712.
  10. Omar, M. T., Gwada, R. F., Omar, G. S., EL-Sabagh, R. M., & Mersal, A. E. A. E. (2019). Low-Intensity Resistance Training and Compression Garment in the Management of Breast Cancer–Related Lymphedema: Single-Blinded Randomized Controlled Trial. Journal of Cancer Education, 1-10.
  11. Rief, H., Petersen, L. C., Omlor, G., Akbar, M., Bruckner, T., Rieken, S., … & Welzel, T. (2014). The effect of resistance training during radiotherapy on spinal bone metastases in cancer patients–a randomized trial. Radiotherapy and Oncology, 112(1), 133-139.
  12. Battaglini, C., Bottaro, M., Dennehy, C., Barfoot, D., Shields, E., Kirk, D., & Hackney, A. C. (2006). The effects of resistance training on muscular strength and fatigue levels in breast cancer patients. Rev Bras Med Esporte, 12(3), 139e-144e.
  13. Serra, M. C., Ryan, A. S., Ortmeyer, H. K., Addison, O., & Goldberg, A. P. (2018). Resistance training reduces inflammation and fatigue and improves physical function in older breast cancer survivors. Menopause (New York, NY), 25(2), 211.
  14. Winters-Stone, K. M., Dobek, J. C., Bennett, J. A., Dieckmann, N. F., Maddalozzo, G. F., Ryan, C. W., & Beer, T. M. (2015). Resistance training reduces disability in prostate cancer survivors on androgen deprivation therapy: evidence from a Randomized controlled trial. Archives of physical medicine and rehabilitation, 96(1), 7-14.
  15. Christensen, J. F., Jones, L. W., Tolver, A., Jørgensen, L. W., Andersen, J. L., Adamsen, L., … & Daugaard, G. (2014). Safety and efficacy of resistance training in germ cell cancer patients undergoing chemotherapy: a randomized controlled trial. British journal of cancer, 111(1),
  16. Padilha, C. S., Marinello, P. C., Galvao, D. A., Newton, R. U., Borges, F. H., Frajacomo, F., & Deminice, R. (2017). Evaluation of resistance training to improve muscular strength and body composition in cancer patients undergoing neoadjuvant and adjuvant therapy: a meta-analysis. Journal of Cancer Survivorship, 11(3), 339-349.
  17. Ruiz, J. R., Sui, X., Lobelo, F., Morrow, J. R., Jackson, A. W., Sjöström, M., & Blair, S. N. (2008). Association between muscular strength and mortality in men: prospective cohort study. Bmj, 337, a439.
  18. Pak, S., Park, S. Y., Shin, T. J., You, D., Jeong, I. G., Hong, J. H., … & Ahn, H. (2019). Association of muscle mass with survival after radical prostatectomy in patients with prostate cancer. The Journal of urology, 202(3), 525-532.
  19. Chang, K. V., Chen, J. D., Wu, W. T., Huang, K. C., Hsu, C. T., & Han, D. S. (2018). Association between loss of skeletal muscle mass and mortality and tumor recurrence in hepatocellular carcinoma: a systematic review and meta-analysis. Liver cancer, 7(1), 90-103.
  20. Reisinger, K. W., Bosmans, J. W., Uittenbogaart, M., Alsoumali, A., Poeze, M., Sosef, M. N., & Derikx, J. P. (2015). Loss of skeletal muscle mass during neoadjuvant chemoradiotherapy predicts postoperative mortality in esophageal cancer surgery. Annals of surgical oncology, 22(13), 4445-4452.
  21. Shachar, S. S., Deal, A. M., Weinberg, M., Nyrop, K. A., Williams, G. R., Nishijima, T. F., … & Muss, H. B. (2017). Skeletal muscle measures as predictors of toxicity, hospitalization, and survival in patients with metastatic breast cancer receiving taxane-based chemotherapy. Clinical Cancer Research, 23(3), 658-665.
  22. Shachar, S. S., Deal, A. M., Weinberg, M., Williams, G. R., Nyrop, K. A., Popuri, K., … & Muss, H. B. (2017). Body composition as a predictor of toxicity in patients receiving anthracycline and taxane–based chemotherapy for early-stage breast cancer. Clinical Cancer Research, 23(14), 3537-3543.
  23. Baracos, V. E., & Arribas, L. (2018). Sarcopenic obesity: hidden muscle wasting and its impact for survival and complications of cancer therapy. Annals of Oncology, 29(suppl_2), ii1-ii9.
  24. Hayes, S. C., Newton, R. U., Spence, R. R., & Galvão, D. A. (2019). The Exercise and Sports Science Australia position statement: Exercise medicine in cancer management. Journal of science and medicine in sport, 22(11), 1175-1199.
  25. Campbell, K. L., Winters-Stone, K. M., Wiskemann, J., May, A. M., Schwartz, A. L., Courneya, K. S., … & Morris, G. S. (2019). Exercise guidelines for cancer survivors: consensus statement from international multidisciplinary roundtable. Medicine & Science in Sports & Exercise, 51(11), 2375-2390.

Autor: Júlia Silva

Licenciada em Desporto, Condição Física e Saúde (ESDRM) Mestrando em Atividade Física e Saúde (ESDRM) Master em Treino de Força (EXS) Formadora EXS - Coordenadora Regional Açores

Tópicos

cancro     exercício     qualidade de vida     saude     treino de força

Outros ARTIGOS

DE DOENTE A ATLETA …. ZINHO 

DE DOENTE A ATLETA …. ZINHO 

Sou cirurgião cardio-torácico e agora, embora activo desempenho outras funções. Depois de ser Director de Serviço da...

Mobilidade e Treino de força: Porque não alongamos?

Mobilidade e Treino de força: Porque não alongamos?

Para ganhos de mobilidade, a prática de alongamentos é vista como a mais efetiva. Na verdade, ao longo dos anos, tem sido incutido na sociedade que os alongamentos são fundamentais para a saúde e qualidade de vida das pessoas. Mas por que razão? Será realmente verdade?

Treino de Força e Saúde Cardiovascular: Falácia ou Realidade?

Treino de Força e Saúde Cardiovascular: Falácia ou Realidade?

A prática regular de exercício físico tem múltiplos benefícios para a saúde, entre os quais se destacam os cardiovasculares (CV) pelo impacto global destas doenças, sobretudo o enfarte agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral.

Marque o seu 1º Treino Gratuito

Venha conhecer um metodo de treino que utiliza a ciência para melhorar a sua saúde, condição e longevidade física.