O cancro tem sido, no séc. 21, um tema bastante abordado e conhecido entre a sociedade pelas diversas áreas do mundo. É bem provável que a maioria de nós conheça algum familiar, amigo, colega ou mero conhecido que tem ou tenha tido uma doença oncológica. Um em cada cinco homens e uma em cada seis mulheres desenvolve cancro nalguma fase da sua vida, segundo dados da Agência Internacional para a Investigação do Cancro. A realidade em Portugal também não é nada agradável.
Mas afinal, de que se trata esta doença assustadora que afeta milhões de pessoas em todo o mundo?
O cancro é uma doença em que as células do nosso organismo, por terem sofrido mutações no seu ADN, dividem-se sem controlo, seja por fatores internos ou por exposição ambiental (e.g tabaco) e adquirem propriedades durante esse processo de divisão descontrolada, de invadir outros tecidos e de não morrer. Estas células são designadas de células cancerígenas e de uma forma simplista, são células defeituosas, que se propagam rapidamente pelo organismo. Existem mais de 200 tipos de cancro de acordo com a sua localização e histologia. É por isto que muitos especialistas afirmam que o cancro não se trata apenas de uma doença, mas sim um conjunto de inúmeras doenças. (1,2)
As principais formas de tratamento passam por: cirurgia, quimioterapia, radioterapia, tratamentos hormonais. (3)
E apesar da evidência científica mostrar a sua eficácia, e destes serem determinantes, diria até indispensáveis de momento, para diminuir o risco de morte e aumentar a taxa de sobrevivência, acarretam diversos efeitos colaterais, tanto a nível físico como psicológico, nomeadamente: (4-7)
- Fadiga;
- Ansiedade;
- Depressão;
- Insuficiência cardíaca;
- Infeções;
- Diminuição dos níveis de força;
- Perda de massa muscular
Deste modo, urge essencialmente uma terapia que atenue os efeitos colaterais mencionados, e o exercício físico, em particular, o treino de força, poderá ser uma opção viável. O treino de força poderá ser benéfico essencialmente em 3 fatores:
Combate à Doença
Através da contração muscular são libertadas diversas substâncias (miocinas) de extrema importância para todo o organismo, em especial a interleucina 6, que numa ação conjunta com algumas hormonas, nomeadamente a hormona adrenalina, irão ativar e mobilizar as células “natural killers” (células NK), no qual há evidência que suporta que as células NK mobilizadas infiltram-se nos tumores e destroem as células cancerígenas. Ou seja, através do treino de Força, da estimulação dos tecidos musculares, são ativadas células que podem diminuir o tumor existente. (8,9)
Atenuação dos efeitos negativos da doença/tratamentos
O treino de força pode contribuir para o aumento dos níveis de força, da capacidade cardiovascular e funcional, massa muscular, redução de inflamação e diminuição dos níveis de fadiga, ansiedade e outros sintomas de depressão, levando à melhoria da qualidade de vida em diversos tipos de cancro, durante vários tipos de tratamento. (10-17)
De salientar que tanto a força como a massa muscular são preditores de taxa de mortalidade, ou seja, maiores níveis de força e massa muscular estão associadas a um menor risco de mortalidade. Daí, a importância do treino de força, para que se preserve ao máximo a força e a massa muscular. (18-21)
Aumento da eficácia dos tratamentos
Apesar da evidência científica não ser tão robusta neste ponto, há alguma evidência apontar que ao manter/aumentar a condição física, atenuando os diversos efeitos negativos, permite ao paciente tolerar melhor o tratamento. A composição corporal, nomeadamente a quantidade de massa muscular, também tem sido apontada uma variável a ter em conta na tolerância aos tratamentos, podendo até ser considerada um preditor de toxicidade dos tratamentos. Deste modo, visto que há um número considerável de doentes que acabam por não terminar o tratamento pela sua baixa tolerância aos mesmos, a probabilidade de os pacientes tolerarem doses mais altas e até ao final da fase de tratamento aumenta, aumentando assim a sua eficácia. (22-26)
Através da evidência científica que temos atualmente é notório que o treino de força é altamente benéfico para este tipo de população, principalmente numa fase de tratamento. O treino de força deveria fazer parte do tratamento de cancro. Atenção, não pretendo com isto dar a entender que o treino de força é uma terapia alternativa. O objetivo não será substituir os tratamentos já habitualmente realizados, pois estes são essenciais, mas sim coadjuvar.
Mas que tipo de exercício? Quantas vezes? A que intensidade? Como tudo, não existe uma receita na prescrição de exercício, e apesar de existir linhas orientadoras de algumas entidades, não podemos negligenciar um princípio primordial como da individualidade biológica. Cada corpo é um corpo, cada cancro é um cancro e cada tratamento é um tratamento. Deste modo, a recomendação da entidade Exercise & Sports Science Australia (ESSA) é que a prescrição de exercício deverá ser individualizada, baseada no paciente e nas considerações específicas do cancro, evitando a todo o custo uma abordagem de “one size fits all”.
No entanto, é necessário reconhecer que o exercício é apenas um dos elemento-chave deste processo, outras variáveis são também requeridas para que o processo seja o mais eficaz possível, sendo então determinante uma abordagem interdisciplinar, com diversos profissionais de saúde, em que as funções de cada um são determinadas e respeitadas, e onde há comunicação constante entre todos.
Em suma, o treino de força não é a cura, mas com a evidência científica que temos atualmente, não podemos continuar a negligenciar a sua importância no tratamento de cancro. O treino de força poderá ser uma terapia coadjuvante essencial neste processo para combater a doença e melhorar a qualidade de vida, dando não só anos de vida, como vida aos anos a estes doentes oncológicos, que passam por uma fase dolorosa e de extrema dificuldade, como aqueles que os rodeiam. Para isso, num trabalho de equipa com diversos profissionais de saúde, há que avaliar constantemente, construir o exercício de acordo com as individualidades da pessoa e ajustar sempre que necessário todas as variáveis, de forma a respeitar o corpo e os limites adjacentes.
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